sábado, 17 de dezembro de 2011

Rir até a Alma Chorar

Não sei se já alguma vez vos falei disto. Se falei, volto a falar, pois aconteceu-me de novo há uns tempos.

Alguma vez riram tanto, tanto, tanto, que ao fim de talvez uma hora de tanto rir e inventar patetices, começaram a chorar?
Mas a chorar da alma, não a chorar de tanto rir.
É um choro que rebenta dentro do peito e vai subindo, subindo, até nos sufocar a garganta, molhar a cara...
Estranha dicotomia.
A alma satisfazendo a sua vontade de riso, e apanhando o corpo desprevenido com tanta descontracção, quer também satisfazer a sua necessidade de choro. Quer limpar todas as mágoas acumuladas.
Quer fazer a catarse.
Aconselho vivamente que deixem o choro sair. Deixem-se ir…
Chorem como se o mundo estivesse a acabar, chorem tudo o que já sofreram e calaram, chorem tudo o que irão sofrer.
Tal como não devemos conter o riso, também não devemos conter o choro.
É a alma que se quer curar.
E no fim de tanto rir e chorar, sente-se uma estranha leveza...

É como se tivéssemos ingerido uma deliciosa droga, e quase somos espectro, não pessoa.
Planamos, pois a alma está livre...
Sentimos luz, sentimos o sol morno, deslizamos pelo momento, contemplamos...
Despimo-nos de todas as fachadas e somos nós. 
Fechamos os olhos e somos tudo.

Quem está connosco pode perceber perfeitamente o que está a acontecer, ou pode achar-nos loucos.
Pois passamos uma hora a rir desalmadamente das coisas mais parvas, e de repente rebentamos no maior dos prantos...
Mas o que nos interessa o que pensam os outros? Quem gosta de nós, continuará a gostar...
E a loucura às vezes é uma bênção...
O que seria da vida sem loucura? 
Luzia escreve num dos seus livros, que tem a mesma opinião que Anatole France, quando este diz:
"Je souhaîte à tous ceux que j’aime un petit grain de folie..."
(Desejo a todos os meus entes queridos um pequeno toque de loucura...)

Eu também.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Em memória da avó Margarida

Hoje morreu a minha avó.
Na sua campa irei colocar flores brancas. Brancas como o açúcar de que ela tanto gostava. E as broas de mel, que tinha para lhe dar no Natal.
Avó de olhos luminosos, com um quê de travessura, e um sorriso sempre a bailar nos lábios.
"Avó, para ti a sopa não está quente porque tens boca de velha, a mim queima!" - dizia-lhe eu com os meus quatro anos.
Hoje que ela morreu, quando penso nela vejo-a nova, bonita, luminosa, de mãos dadas com o avô, o seu amor, passeando por um imenso campo de margaridas brancas, docemente cristalizadas.
O dia foi de uma maravilhosa luz clara, e até a noite se iluminou, com uma mágica e enorme lua branca.
Avó, deixas muitas saudades, mas sei que estás feliz.
Cuida de nós.
E um eterno obrigada.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Era um domingo melancólico, cansativo, não fazia sol, nem sombra. Sentia-me cansada, sem energia vital...
Eu esperava uma mulher, que não conhecia, mas que me iria falar da escritora esquecida no tempo, que eu estava a investigar. 
A energia lamacenta do dia estava a engolir-me por completo. Até que ela chega, enérgica, brilhante, vibrante, entusiástica, alterando a energia de todo o lugar, de todo o domingo...

E já não era domingo, eram horas roubadas a uma outra dimensão.
Contou-me que os seus Verões eram passados naquela Quinta, onde L., a "minha" escritora, tinha vivido nos seus tempos de casada, e que por ter lido os livros dela, sabia exactamente onde L. se sentava para escrever, e ia mostrar-me, queria que eu me sentasse lá. 
A Quinta já não pertencia à sua família, mas isso era o menor dos problemas. Chegamos aos portões das traseiras da Quinta e ela diz, "estes são muito fáceis de avançar". E eu só pensava... eu não consigo avançar aquele portão... como raio vou subir aquilo?...
E tive a brilhante ideia de dizer que achava que pela parte da frente o muro era mais pequeno e mais fácil de subir. E lá fomos nós, para a parte da frente da Quinta, mas o murinho que eu achava que era pequeno tinha uns três metros, um pouco mais talvez. E na minha cabeça eu digo, não, nem pensar, acabou a minha aventura aqui, não há forma de entrar. Mas qual não é o meu espanto quando vejo F., a mulher por quem eu esperei, toda lançada a subir o muro, dizendo, "este muro é muito bom para subir, é muito fácil", e eu cá em baixo cheia de medo que ela caísse e se magoasse seriamente. Ela ia dizendo, "a minha infância foi isto, trepava muros, árvores, corria toda esta zona, desde as montanhas, ao mar, chegava a me pendurar nas cordas dos cargueiros, para viajar até à outra povoação pelo mar!" E eu espantada, só pensava, na minha infância a coisa mais aventureira que fiz, foi talvez uma corrida de bicicleta, em que no fim me estatelei no chão... 
E depois, ouço a voz de F., "vamos, agora é a sua vez, venha que eu ajudo aqui em cima e J. (o meu marido) ajuda em baixo". A minha cabeça dizia: não te metas a subir isso, sabes que é impossível para ti, vais cair de boca e ficar toda partida no chão. Eu já nem queria tentar, mas lá subi até meio, e quando olhava para baixo, pensava que era impossível eu ainda subir a metade de muro que restava.

Houve uma luta interior e exterior, F. agarrou-me nos pulsos e queria puxar-me, J. a segurar-me os pés, eu quase a gritar, não consigo, não consigo, eu não consigo, eu sou rato de laboratório, eu não faço exercício, eu nunca na vida trepei um muro!! F., só dizia, "deixe-se disso, claro que consegue, já não consigo ouvir mais essa frase, venha daí que já me está a enervar, quantos anos tem?" E eu respondo, vinte e sete... e ela, "ai agora é que sobe, eu tenho quarente e oito e já estou cá em cima, quer ou não quer sentar-se onde L. se sentava?!" E eu lá resolvi fazer um esforço extra, enfiar as botas nos minúsculos buracos do muro, agarrar-me bem e puxar-me para cima a todo o custo, nem que me esfarrapasse toda, era melhor atirar-me para o lado de lá do muro, do que cair daquela altura. E quando dei por mim, entre arranhadelas, grunhidos e cãibras, já lá estava! Com umas insignificantes esfoladelas estava no que foi o jardim da parte da frente da casa onde viveu L. 

A vegetação já tinha tomado conta do espaço, e avançamos por meio de árvores, ervas, heras, no espaço encantado da Quinta. Fomos presenteados pelo delicioso aroma das goiabas que cresciam douradas e belas nas árvores, e mal as viu, F. apanhou logo duas, deliciada. 
Conhecemos então o que fora o jardim da frente, subimos depois as escadas, até ao banco de pedra, onde F. se sentou e disse: "Era aqui que L. se sentava para escrever e se inspirar, venha, sente-se aqui", e sentei-me onde, algures no tempo, L. se sentara. A vista era magnifica, o dia já era de sol, o mar infinito... Quase não conseguia absorver que L. estivera ali...
Depois desse momento, fomos conhecer os restantes espaços. O jardim com a enorme anoneira e o poço, era absolutamente mágico. Seguidamente, fomos pela parte de trás da Quinta, onde um enorme jardim já tinha desaparecido, e subimos umas pequenas escadas até à porta da cozinha. Tudo estava trancado, não havia forma de entrar. F. descobriu uma janela aberta no andar de cima, mas sem uma escada era muito difícil chegar lá... E decidimos reservar essa peripécia para um próximo assalto.
Na porta da cozinha estavam algumas velharias, que F. decidiu levar, e ainda nos ofereceu uma garrafinha de vidro com tampa de madeira, uma para mim, outra para o J., um objecto para recordarmos o dia em que invadimos a Quinta onde viveu L. 

Ainda passeamos pelo local, ouvimos histórias da juventude de F., histórias fantásticas, cheias de entusiasmo, e proezas.
Ouvíamos F. dizer, a vida é para ser vivida, sem medos, nascemos para sermos felizes, não devemos carregar mochilas com pedras às costas.
E estávamos todos, de tal forma, contagiados pela sua alegria, pela sua força, entusiasmo, que esquecemos por completo o nosso cansaço.
E lá nos encontrávamos, rindo, conversando, vivendo... Sentados à volta de uma mesa, com o imenso mar pela frente, um belo pôr-do-sol, e uma forte ligação que o Universo se encarregou de criar...