sábado, 17 de dezembro de 2011

Rir até a Alma Chorar

Não sei se já alguma vez vos falei disto. Se falei, volto a falar, pois aconteceu-me de novo há uns tempos.

Alguma vez riram tanto, tanto, tanto, que ao fim de talvez uma hora de tanto rir e inventar patetices, começaram a chorar?
Mas a chorar da alma, não a chorar de tanto rir.
É um choro que rebenta dentro do peito e vai subindo, subindo, até nos sufocar a garganta, molhar a cara...
Estranha dicotomia.
A alma satisfazendo a sua vontade de riso, e apanhando o corpo desprevenido com tanta descontracção, quer também satisfazer a sua necessidade de choro. Quer limpar todas as mágoas acumuladas.
Quer fazer a catarse.
Aconselho vivamente que deixem o choro sair. Deixem-se ir…
Chorem como se o mundo estivesse a acabar, chorem tudo o que já sofreram e calaram, chorem tudo o que irão sofrer.
Tal como não devemos conter o riso, também não devemos conter o choro.
É a alma que se quer curar.
E no fim de tanto rir e chorar, sente-se uma estranha leveza...

É como se tivéssemos ingerido uma deliciosa droga, e quase somos espectro, não pessoa.
Planamos, pois a alma está livre...
Sentimos luz, sentimos o sol morno, deslizamos pelo momento, contemplamos...
Despimo-nos de todas as fachadas e somos nós. 
Fechamos os olhos e somos tudo.

Quem está connosco pode perceber perfeitamente o que está a acontecer, ou pode achar-nos loucos.
Pois passamos uma hora a rir desalmadamente das coisas mais parvas, e de repente rebentamos no maior dos prantos...
Mas o que nos interessa o que pensam os outros? Quem gosta de nós, continuará a gostar...
E a loucura às vezes é uma bênção...
O que seria da vida sem loucura? 
Luzia escreve num dos seus livros, que tem a mesma opinião que Anatole France, quando este diz:
"Je souhaîte à tous ceux que j’aime un petit grain de folie..."
(Desejo a todos os meus entes queridos um pequeno toque de loucura...)

Eu também.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Em memória da avó Margarida

Hoje morreu a minha avó.
Na sua campa irei colocar flores brancas. Brancas como o açúcar de que ela tanto gostava. E as broas de mel, que tinha para lhe dar no Natal.
Avó de olhos luminosos, com um quê de travessura, e um sorriso sempre a bailar nos lábios.
"Avó, para ti a sopa não está quente porque tens boca de velha, a mim queima!" - dizia-lhe eu com os meus quatro anos.
Hoje que ela morreu, quando penso nela vejo-a nova, bonita, luminosa, de mãos dadas com o avô, o seu amor, passeando por um imenso campo de margaridas brancas, docemente cristalizadas.
O dia foi de uma maravilhosa luz clara, e até a noite se iluminou, com uma mágica e enorme lua branca.
Avó, deixas muitas saudades, mas sei que estás feliz.
Cuida de nós.
E um eterno obrigada.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Era um domingo melancólico, cansativo, não fazia sol, nem sombra. Sentia-me cansada, sem energia vital...
Eu esperava uma mulher, que não conhecia, mas que me iria falar da escritora esquecida no tempo, que eu estava a investigar. 
A energia lamacenta do dia estava a engolir-me por completo. Até que ela chega, enérgica, brilhante, vibrante, entusiástica, alterando a energia de todo o lugar, de todo o domingo...

E já não era domingo, eram horas roubadas a uma outra dimensão.
Contou-me que os seus Verões eram passados naquela Quinta, onde L., a "minha" escritora, tinha vivido nos seus tempos de casada, e que por ter lido os livros dela, sabia exactamente onde L. se sentava para escrever, e ia mostrar-me, queria que eu me sentasse lá. 
A Quinta já não pertencia à sua família, mas isso era o menor dos problemas. Chegamos aos portões das traseiras da Quinta e ela diz, "estes são muito fáceis de avançar". E eu só pensava... eu não consigo avançar aquele portão... como raio vou subir aquilo?...
E tive a brilhante ideia de dizer que achava que pela parte da frente o muro era mais pequeno e mais fácil de subir. E lá fomos nós, para a parte da frente da Quinta, mas o murinho que eu achava que era pequeno tinha uns três metros, um pouco mais talvez. E na minha cabeça eu digo, não, nem pensar, acabou a minha aventura aqui, não há forma de entrar. Mas qual não é o meu espanto quando vejo F., a mulher por quem eu esperei, toda lançada a subir o muro, dizendo, "este muro é muito bom para subir, é muito fácil", e eu cá em baixo cheia de medo que ela caísse e se magoasse seriamente. Ela ia dizendo, "a minha infância foi isto, trepava muros, árvores, corria toda esta zona, desde as montanhas, ao mar, chegava a me pendurar nas cordas dos cargueiros, para viajar até à outra povoação pelo mar!" E eu espantada, só pensava, na minha infância a coisa mais aventureira que fiz, foi talvez uma corrida de bicicleta, em que no fim me estatelei no chão... 
E depois, ouço a voz de F., "vamos, agora é a sua vez, venha que eu ajudo aqui em cima e J. (o meu marido) ajuda em baixo". A minha cabeça dizia: não te metas a subir isso, sabes que é impossível para ti, vais cair de boca e ficar toda partida no chão. Eu já nem queria tentar, mas lá subi até meio, e quando olhava para baixo, pensava que era impossível eu ainda subir a metade de muro que restava.

Houve uma luta interior e exterior, F. agarrou-me nos pulsos e queria puxar-me, J. a segurar-me os pés, eu quase a gritar, não consigo, não consigo, eu não consigo, eu sou rato de laboratório, eu não faço exercício, eu nunca na vida trepei um muro!! F., só dizia, "deixe-se disso, claro que consegue, já não consigo ouvir mais essa frase, venha daí que já me está a enervar, quantos anos tem?" E eu respondo, vinte e sete... e ela, "ai agora é que sobe, eu tenho quarente e oito e já estou cá em cima, quer ou não quer sentar-se onde L. se sentava?!" E eu lá resolvi fazer um esforço extra, enfiar as botas nos minúsculos buracos do muro, agarrar-me bem e puxar-me para cima a todo o custo, nem que me esfarrapasse toda, era melhor atirar-me para o lado de lá do muro, do que cair daquela altura. E quando dei por mim, entre arranhadelas, grunhidos e cãibras, já lá estava! Com umas insignificantes esfoladelas estava no que foi o jardim da parte da frente da casa onde viveu L. 

A vegetação já tinha tomado conta do espaço, e avançamos por meio de árvores, ervas, heras, no espaço encantado da Quinta. Fomos presenteados pelo delicioso aroma das goiabas que cresciam douradas e belas nas árvores, e mal as viu, F. apanhou logo duas, deliciada. 
Conhecemos então o que fora o jardim da frente, subimos depois as escadas, até ao banco de pedra, onde F. se sentou e disse: "Era aqui que L. se sentava para escrever e se inspirar, venha, sente-se aqui", e sentei-me onde, algures no tempo, L. se sentara. A vista era magnifica, o dia já era de sol, o mar infinito... Quase não conseguia absorver que L. estivera ali...
Depois desse momento, fomos conhecer os restantes espaços. O jardim com a enorme anoneira e o poço, era absolutamente mágico. Seguidamente, fomos pela parte de trás da Quinta, onde um enorme jardim já tinha desaparecido, e subimos umas pequenas escadas até à porta da cozinha. Tudo estava trancado, não havia forma de entrar. F. descobriu uma janela aberta no andar de cima, mas sem uma escada era muito difícil chegar lá... E decidimos reservar essa peripécia para um próximo assalto.
Na porta da cozinha estavam algumas velharias, que F. decidiu levar, e ainda nos ofereceu uma garrafinha de vidro com tampa de madeira, uma para mim, outra para o J., um objecto para recordarmos o dia em que invadimos a Quinta onde viveu L. 

Ainda passeamos pelo local, ouvimos histórias da juventude de F., histórias fantásticas, cheias de entusiasmo, e proezas.
Ouvíamos F. dizer, a vida é para ser vivida, sem medos, nascemos para sermos felizes, não devemos carregar mochilas com pedras às costas.
E estávamos todos, de tal forma, contagiados pela sua alegria, pela sua força, entusiasmo, que esquecemos por completo o nosso cansaço.
E lá nos encontrávamos, rindo, conversando, vivendo... Sentados à volta de uma mesa, com o imenso mar pela frente, um belo pôr-do-sol, e uma forte ligação que o Universo se encarregou de criar...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Farol de Pirilampos Multicultural




Aconteceu mais um Farol de Pirilampos.
E algo de improvável surgiu. Apareceram pirilampos de vários cantos do mundo para erguer um farol num dos lugares mais bonito da ilha.
Olhei à minha volta e pensei, mas que estranho grupo se reuniu. Os chineses estavam em maioria, era uma das línguas que mais se ouvia. Mas não haviam só chineses não, haviam russos e portugueses. E para todos nos entendermos eram utilizadas várias línguas. Ouvia-se o chinês, o inglês, o espanhol, o português e o russo só porque teimamos em aprender a dizer olá em russo (e soa a algo parecido com), "priviete".
A ironia maior, foi que num grupo de doze pessoas que iam para a serra a postos de fazer a típica espetada madeirense, só havia um único madeirense de gema, mas descasem madeirenses, estavam muito bem representados por este exemplar.
E lá fomos nós, montanha acima, com os carros carregados de lenha, de louro, de alhos, de sal e de carne, grandes nacos de carne para grande espanto dos chineses, que levavam os seus pedacinhos muito pequenos de carne e toneladas de vegetais para assar na brasa... Nós portugueses bem que deixamos os legumes em casa, para deitar na sopa... Mas ainda bem que os chineses os levaram, souberam muito bem nas brasas...
Um dos momentos mais caricatos aconteceu quando os portugueses começaram a esfregar a carne com os condimentos e a espeta-la no pau de louro. De repente parecia que estávamos numa estância turística qualquer, e que alguém gritou "coliseu!", bem, os chineses sacam das suas máquinas fotográficas e aquilo foi um banho de flashes, todos tiravam fotos, todos queriam segurar no pau com os nacos da carne espetados, até houve os que quiseram experimentar esfregar e espetar a carne. Foi muito, muito, muito divertido. 
Tínhamos uma das mesas mais mágicas do local, até que o nevoeiro, alguma chuva e depois a noite a engoliu. Aí não tivemos alternativa, enfiamo-nos todos na caserna de assar a carne (e legumes), numa escuridão quase total, em que tivemos de ligar um carro de faróis virados para a caserna, para podermos continuar no nosso divertido churrasco. 
Quando já estava escuro como breu e o carro já quase sem bateria, decidimos começar a arrumar e descer a montanha. Aí o grupo dividiu-se, os chineses desceram a montanha por um lado, a caminho de casa, e a outra metade do grupo decidiu continuar o passeio, por meio de florestas mágicas cobertas de noite, até chegarmos ao farol inspirador destas iniciativas. Ponta do Pargo, o farol a iluminar o mar, a ravina, uma mancha de espuma branca conseguia ver-se na noite, uma lua amarela a ser comida por nuvens negras em forma de dinossauro, licor de caramelo para adoçar, aquecer, entorpecer e enternecer os sentidos... 
Antes de voltarmos ao ninho de nossas casas ainda paramos numa marina, para deleitar os sentidos com os barulhos da água, e das cordas segurando os barcos... Passamos também por uma padaria aberta de madrugada para comprar pão de leite com açúcar, para que os nossos sonhos fossem polvilhados de doce... 
E assim cheguei a casa, infundida de todos estes momentos, já com o cansaço e o sono, sonho no corpo, só ouvindo ainda a língua dos meus gatos que miavam por comida...

sábado, 15 de outubro de 2011

São as ondas, o mar revolto, o rugido, o vento. Altos brados, valas no coração. É a subida aos céus, a descida vertiginosa aos infernos. São os calores que sobem pela coluna, o coração na boca. Ventos que te fustigam a alma, enquanto continuas sentada na sala. Ouves aquela voz, ouves aquela alma, e queres chorar, queres tanto chorar, tamanha é a emoção no peito, tamanha é a vertigem criada em ti. Eu sei o que isso é, eu sei. O teu corpo não consegue conter tamanha emoção. Tamanha paixão. Afinal não estão todos mortos. Afinal há quem viva na mesma dimensão. Têm paixão na boca. És capaz de tudo, de tudo, desde que o faças com a alma. Sei precisamente de que estás a falar, sei precisamente o que queres dizer, sei a que profundidade te referes. A minha alma compreende antes de dizeres as palavras e todo o meu corpo quer chorar. Tudo isto enquanto me movo o mínimo possível, enquanto mal respiro. Feiticeira. Quero seguir o caminho sem retorno.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. 
Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal.
Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco.
Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. 
Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.

Fernando Pessoa                            
                            

A Multiplicidade de Eus

Dentro de nós existem muitas possibilidades de sermos. Sonhamos acordados com elas. Sentimos o quanto poderíamos ser. Revemo-nos em personagens. Aquilo que elas são, aquilo que poderíamos ser. Ás vezes vemos tão claramente que até dói. E ás vezes dói tanto...
À frente dos nossos olhos desdobra-se tudo o que queremos ser, e que somos por dentro. Mas não agimos, continuamos nada.
O lado irreverente que temos em nós e nunca mostramos, o lado criativo bloqueado, a loucura lúcida só dentro da nossa cabeça, os sonhos espremidos para dentro dos sacos lacrimais.
Tudo anestesiado pela doce rotina dos dias.
Até ao dia... Até que num dia... Tudo nos rebenta na cara... 
Uma palestra que ouvimos, uma frase que lemos, um anime a que assistimos, são o suficiente para abrir a brecha.
E vemos passar diante dos nossos olhos todas as possibilidades, todo o potencial que temos e não utilizamos, tudo o que somos e não revelamos.
Somos acometidos por uma terrível dor, pensamos, não estou a utilizar os meus dons, estou a matar-me.
Abrimos num choro que não queremos mais fechar. Só nos apetece cair no chão e chorar. Chorar no maior dos prantos, no maior dos lamentos, como se tivéssemos acabado de morrer e nos déssemos de conta que tudo desperdiçamos. Vemos tudo o que podíamos ter feito, ter sido...
A dor é a de estarmos mortos e apetece-nos chorar para toda a eternidade.
A dor de saber que é aquilo, é mesmo aquilo, mas que não chegamos lá...
É o mergulho no pranto da eternidade.
Mas ainda estamos vivos, temos o dever de mostrar quem somos. Temos de abrir a torneira, deitar abaixo todos os muros, e deixar de uma vez por todas que a loucura nos tome por completo. Sem medos. 
Para que não choremos por toda a eternidade....

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Em Estado Puro


Às vezes esqueço-me que ela existiu, existe. Tão querida, tão sorridente, tão inocente...
Quem é ela? Quem foi ela? Onde vive agora?
Não morreste, não podes ter morrido...
Um sorriso puro, a alegria no cavalinho de brincar, o anel brilhante no dedo indicador. Tudo irradia.
Porque é que às vezes te perco? Porque é que às vezes não te oiço, me esqueço de te cuidar, fazendo de conta que não existes?
Eu sei, precisas que me lembre a cada instante de ti, precisas que te abrace, que te ame, proteja, te garanta que tudo está bem.
Precisas que preste atenção a tudo o que dizes, que brinque contigo.
Quando o meu mundo estiver a desmoronar, quando estiver terrivelmente assustada, triste, insegura, vou lembrar-me que estás com muito mais medo do que eu. No meio do meu caos vou lembrar-me que existes, que estás indefesa e vou cuidar de ti. Amar-te, sossegar-te, proteger-te. Protejo-te a ti, protejo-te a mim.
Porque tu és eu, eu sou tu.  
Vives bem sorridente e pequenina dentro daquilo que sou.
Porque todos temos a menina ou menino que fomos, bem vivos dentro de nós.
Nunca devemos deixar de a ouvir, cuidar, amar. 
É a nossa criança interior.


Pego-te ao colo e enrolas os teu bracinhos à volta do meu pescoço, muito feliz. Eu abraço-te muito, encho-te de beijos, aperto-te no meu peito, inspiro o perfume dos teus cabelos encaracolados. 
Que bom que é estarmos juntas, o teu sorriso, os teus olhos, iluminam-me.
Pouso-te no chão, damos a mão, e seguimos estrada fora, felizes e saltitantes, esvoaçando ao vento como borboletas. 

domingo, 12 de junho de 2011

O Primeiro Farol de Pirilampos

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Uma estrada, lá ao fundo as nuvens brancas, o sol laranja, o céu lavanda... Foi precisamente ao fundo deste caminho, que se ergueu o primeiro Farol de Pirilampos... 
A viagem foi de cortar a respiração... Cascatas de nuvens desciam pelas recortadas montanhas, as cores misturavam-se até incendiarem os nossos olhos, e por vezes, éramos presenteados por uma beleza tão extrema, que ficávamos sem respirar, de tão arrebatadora visão...
Quando demos conta, fomos engolidos por uma nuvem de nevoeiro, uma nuvem que nos veio dar as boas vindas, quando já tínhamos escolhido o lugar para fixar o Farol. Mas logo essa nuvem se ergueu em direcção ao céu, e começamos a ver as primeiras estrelas, a lua. As mantas já estavam estendidas no chão, as velas acesas, a comida preparada, as termos com bebidas quentes. Havia um pouco de tudo. Café, chá, bolo de laranja e biscoitos de chocolate caseiros, comida tradicional chinesa, petiscos salgados, e mais importante que tudo isso, uma genuína amizade, um momento de partilha, de comunhão primitiva com a Terra.
Fomos envolvidos pela escuridão, mas banhados pela luz prateada da lua e das estrelas brilhantes no céu. Um manto de frio caiu também sobre nós, um gelo que nos lembrava que estávamos vivos, que nos fazia vibrar, que nos desinibia. Estávamos no meio do nada, podíamos ser o que quiséssemos, o que precisássemos, e foi aí que tudo começou... A música que nos fez dançar, saltar, rir, correr... Passamos horas seguidas a rir, a gritar, a rodopiar debaixo da lua, deitados no chão a olhar as estrelas...


Senti-me mais que viva, senti-me vibrante, senti-me primitiva, senti-me criança, não tinha os olhares censuradores da sociedade em cima de mim, então, permiti-me extravasar... Cantei como queria, gritei como queria, fiz caretas parvas como me apetecia, rodopiei debaixo da lua até sentir a Terra a girar debaixo dos meus pés... Deite-me no meio da estrada a observar as estrelas, de pernas para cima, voltei a correr, a saltar, a gritar, a dançar, a rir até molhar as cuecas... Fiz poses para a máquina fotográfica, em que depois parecia possuída, o que era mais um motivo de riso. Extravasei ao máximo... Foi brutal, foi libertador, foi emocionante, foi excitante, foi um renovar de energia, um sentir-me em comunhão com a Terra, um ESTOU VIVA!
Extravasei quase ao máximo... A dada altura, sentia-me tão primitiva a rodopiar debaixo da lua, longe da civilização, no meio da natureza bruta, que tive vontade de atirar todas as minhas roupas para o chão e correr nua pelo descampado, pela vegetação, rodopiar nua debaixo da lua em total comunhão com o Universo...
Deve ser uma das experiências mais libertadoras a que o ser humano se pode permitir, nu, debaixo da lua, no meio do nada, a sentir o frio arrepiar cada centímetro de pele...


Uma noite, mergulho no meio da natureza, e rodopio nua debaixo da lua, dançando com o vento.
Hoje é a noite.

sábado, 4 de junho de 2011

Farol de Pirilampos

Um grupo de amigos que se reúne ao final do dia, e ruma até um recanto da natureza sem civilização, para se sentar em roda e presenciar o cair da noite. Quando estiverem mergulhados na escuridão, transformam-se em pirilampos, observam as estrelas, partilham histórias, literatura, experiências, chá, café e biscoitos caseiros.

Vamos construir faróis pelos esconderijos mais bonitos da ilha... Roupa quentinha, mantas, boa disposição, boas histórias, momentos preciosos e mágicos.
O primeiro encontro realiza-se este mês.

Os pirilampos somos nós, o farol onde nós estivermos...

quinta-feira, 26 de maio de 2011

os nós do meu novelo

nascemos. à medida que crescemos e vamos formando a nossa personalidade, muita coisa se vai enrolando no nosso novelo. somos um novelo. de experiências, de sensações, de modelos, de vivências. e o nosso novelo vai agarrando tudo. vai chupando a água derramada, os sorrisos e o sangue. o fio de lã chupa todas as nódoas. e para além disso vai-se intrincando, enrolando sobre si próprio. quando damos conta, somos grandes. e sabemos que muitas coisas estão presas no início do nosso novelo... coisas que nos condicionam quando somos grandes... coisas que não queremos, coisas que nos põe doentes... queremos livrar-nos delas, mas não conseguimos... por mais que lavemos o novelo, a água já não consegue chegar ao centro... molha apenas a capa exterior... quero libertar-me daquilo que tenho nas entranhas, quero libertar-me daquilo que não me deixa respirar, do que não me deixa relaxar, do que não me deixa ser... quero tanto, preciso tanto... como se consegue? ou me esventro, ou me viro do avesso... preciso tanto respirar sem as amarras do centro do meu novelo... quero mudar de pele, tocar nos extremos, rebentar com tudo, para poder voltar a reconstruir-me livremente... rasgar, rebentar, esventrar, partir, quebrar, rastejar, enlamear... quero ser tudo o que não sou, para assim poder ser eu. uma coisa que pode ajudar, sempre que nos depararmos com aquilo que do centro de nós vem à superfície, com aquilo que nos põe doentes fisicamente só de pensarmos, quando os nossos medos, as nossas angustias nos atingem como uma pedra cheia de espinhos na barriga, podemos encher o peito de ar, olhar o horizonte e dizer para o centro de nós mesmos: que se foda.
quero quebrar todas as ligações, rebentar todos os fios, ultrapassar todos os meus centros manchados de merda. 
quero ser livre de ser.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Metamorfoses da Alma

Metamorfoses da  Alma é uma colecção de textos escrita entre Fevereiro de 2005 e Julho de 2006. Como podem perceber já lá vão uns anos... 
Todos esses textos foram publicados num blog criado por um grupo de amigos, onde todos deixávamos algo de nós. 
Hoje decidi partilhar com vocês, os meus escritos da época.
Para os lerem basta clicar aqui.
 

Morangos e Madalenas com Chá

A página em branco, o silêncio... Queremos escrever, mas quando nos sentamos perante uma página em branco, o silêncio invade-nos... 
Quantas vezes me sinto arrebatada e inspirada numa aula para escrever, ou quando leio trechos de um livro que me toca profundamente, quando ouço uma música, ou quando a brisa solar me acaricia o cabelo... Em momentos como estes, abre-se uma porta em mim, e desfilam na minha mente ideias, contos, poemas, diálogos, e quase morro com tanta vontade de escrever... Mas deixo passar esses momentos, porque ou tenho de seguir caminho, ou tenho de estar atenta a quem fala... E quando me sento para realmente escrever, o silêncio invade-me... 
Preciso de um bom bocado... Vou mergulhando em camadas de mim mesma, buscando a corrente que me levará a entrar "naquele" estado de espírito...

Fecho os olhos, respiro fundo, relaxo os músculos e deixo-me ir... Quero tanto deambular em mim, por mim... E uma doce melodia vai ecoando bem lá no fundo... Palavras cristalinas, raios de luz, um doce embalar... E lá está ela, uma personagem... A minha velha amiga personagem... Vem sorridente com flores nas mãos, um ramo de perfumadas peónias, um cesto cheio de maravilhosos morangos vermelhos, doces, sumarentos, e uma caixinha cheia de aromáticas madalenas.  

Coloca as peónias numa jarra, que pousa na mesa da cozinha, o seu perfume é inebriante... Peónias, uma das suas flores preferidas...
Decide lavar os morangos, está desejosa de os comer, só o cheiro destes suculentos frutos desperta nela sensações estranhas, como que apaixonantes... Morangos... Porquê morangos?... Ia jurar que ainda no ano passado, afirmou não gostar muito deles... 
E as madalenas? Há anos que não come madalenas! Porque sentiu uma vontade irresistível de as trazer, mal as viu à venda?
São estes os pensamentos que desfilam pela mente da minha personagem, enquanto vai lavando silenciosamente os morangos...
E sem que ela saiba, eu sei a resposta a todas as questões que lhe passam pela mente...

O sol bate na janela da cozinha, já com os morangos lavados ela senta-se à mesa pensativamente... A mesa tem umas cores vibrantes, o rosa das peónias, o vermelho dos morangos, o laranja das madalenas de limão... E o sol, o sol que bate na jarra de cristal e brilha, iluminando o seu rosto...
- Tenho de fazer um chá, estas madalenas só podem ser comidas com chá... - pensou ela. 
E nesse momento colocou água na chaleira a ferver...

Quando tudo estava pronto na mesa, sentiu-se arrebatar por uma extrema felicidade... Com algo tão simples, os seus poros, os seus olhos, a sua alma estava arrebatada... Uma simples refeição banhada pelo sol... Que pura felicidade...
Começou a comer os morangos, um a um, primeiro cheirava-os, inspirava-os, trincava-os a meio, ficando com os dedos cheirosos e vermelhos do morango, quanto mais comia, mais seduzida, maravilhada se sentia, e não os conseguia parar de comer... Descobriu que tinha sede de morangos... Estava deliciada...
Serviu o chá perfumado na delicada chávena de porcelana, pegou numa madalena, deu-lhe uma dentada, bebeu um gole de chá e parou no tempo... Como se tivesse acabado de ingerir Luz, sol liquido...
Que prazer... Que deleite... 
Morangos e madalenas com chá...

E eu sei o porquê de tanto deleite, de tanto prazer...
A literatura tinha feito com que estes simples alimentos, provocassem uma experiência tão arrebatadora à minha amiga personagem.
Sim, a literatura...
Com todo o seu poder, entranha-se nos nossos poros, desperta-nos paixões, relembra-nos coisas que julgávamos mortas...

Proust e as suas madalenas com chá...
Cuca Canals e a referência a morangos apaixonantes...
Dois autores lidos pela minha doce personagem...

E agora, se me dão licença, vou beber o meu chá. Já está à temperatura ideal... Tenho madalenas para acompanhar, e antes de adormecer, ainda vou devorar os últimos morangos que me restam....

sábado, 23 de abril de 2011

Daisy, Daisy, Daisy...

A minha mais que querida Daisy









 
Não consigo deixar de partilhar com vocês a história da minha doce Daisy, a minha linda gatinha.
No dia 14 de Fevereiro decidimos ir à SPAD, adoptar uma gatinha. Eu queria uma gatinha, de preferência bebé, pois queria educa-la para que fosse bem comportada...
Quando lá chegamos indicaram-nos o gatil, para irmos ver os gatos, e pelo meio dos latidos ensurdecedores dos cães abandonados, chegamos ao espaço dos gatos... Eram imensos também... Gatos, gatas, malhados, riscados, amarelos, brancos, pretos... Mas nada de gatos bebés... A mais nova tinha já uns seis, sete meses... Fiquei um pouco decepcionada, pois queria mesmo muito uma gatinha bebé...
Metemo-nos lá dentro e misturamo-nos com todos aqueles gatos... 
Agora devem estar-se a perguntar, no meio de tantos gatos, como se escolhe um? Como sabemos que é aquele, qual é o certo? 
Não é nada fácil...
No nosso caso, antes de lá entrarmos, já um gato miava na nossa direcção, miava, e miava, encostando-se às grades, chamou logo a minha atenção... Quando entramos, estávamos a observar muito atentamente, todos os gatos, perguntando-nos, e agora? Estávamos de costas para uma plataforma (para onde os gatos por vezes sobem), olhando atentamente os gatos que tínhamos na frente, dentro das "casotas", quando de repente sentimos uma coisa nas costas, a nos tocar, mal nos viramos, um gato pôs as patas no nosso peito, subiu para cima de nós e distribuiu turrinhas pelo nosso pescoço e pela nossa cara... Fiquei logo derretida, e surpreendida, era o mesmo gato que miava na nossa direcção, quando ainda nem tínhamos entrado!
Eu só pensava, será que é uma gata? É que queria muito uma gata, e queria uma quase bebé, e este era já tão grande... Vi todos os gatos com muita atenção, mas aquele não me saía da cabeça... 
Acabamos por falar com a tratadora, e sim, era uma gata, a maluca que se atirou ao nosso pescoço para dar miminhos :)
Já estava no gatil há uns sete meses e tinha entre um ano e meio a dois... 
Fiquei confusa, ia tanto com a ideia de um gato bebé...
Fomos almoçar, para ponderar bem a nossa decisão... Eu só pensava e agora?
Mas não conseguia deixar de pensar naquela maluca tão querida... 
Decidimos lá voltar depois do almoço, voltamos a nos misturar com os gatos, olhando, fazendo festas, pegando ao colo... Mas no fundo de mim mesma, sabia que já tinha sido escolhida... Uma das gatas já nos tinha escolhido... E não conseguia ignorar isso...
Disse então, vamos levar a maluca querida, não me importo que já tenha quase dois anos... 
E foi assim, que trouxemos a nossa linda gatinha para casa. Soubemos que estava doente dos ouvidos e precisava de tratamento, mas nada me demovia já, era aquela, sem dúvida, era aquela menina que pertencia a nós e nós a ela. E tem-se revelado um doce, uma querida, uma bem comportada. É super meiga, adora enrolar-se no nosso peito enquanto vemos televisão, ou encaixar-se na dobra das nossas pernas, enquanto dormimos...
No início não sabíamos que nome dar-lhe, ficou registada como Sofia, apenas porque no primeiro momento não se consegue escolher logo um nome para um gato. Experimentamos chamar-lhe Sofi, mas não ia bem, chamamos-lhe também Mel, mas não assentava perfeitamente, todos os dias lhe chamávamos algo diferente, tentando encontrar o certo, até que Daisy, foi o que ficou, é a nossa Miss Daisy, o nosso doce, a nossa ternura.
É ou não é linda, a nossa Daisy?...



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Um mergulho visceral, imagens, mar gelado com réstia de luz, mar gelado negro... Um dia de sol, o quente na pele, o escaldar do invólucro, o mergulhar, preciso mergulhar, e quebrar, quebrar o que me aprisiona, vozes ecoam atrás de mim, estão a dar-me tempo a mais, e já rebolo pela areia com o bater da rebentação. Espuma. O ser que se eleva, a dualidade, a voz como um trovão, tudo vibra à minha volta como um épico... É preciso quebrar, é preciso partir, rebentar, já não chega, não te dissemos? Não é isso! Não o estás a fazer! De que estás à espera? Esquece tudo, sai de ti, não interessa, já não interessa se a preto ou branco, sai! Dois espectros da imaginação, um vestido de negro, cabelos revoltos, olhos negros, espada às costas, atitude de quem conquista mundo e é indiferente a tudo o resto... O outro... tão ténue que nem o consigo diferenciar... Saio da espuma e começo a correr... As vozes perseguem-me, os espectros perseguem-me, a vida persegue-me na tentativa de me acordar... 
Por vezes apanham-me, e fico num invólucro sem ar, quero respirar e não consigo, com lágrimas nos olhos imploro, imploro por uma nova tentativa, sei o que tenho a fazer, mas algo me trava, algo me prende, algo não me deixa Ser...

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Paixão pelo chocolate...

Vou deixar-vos aqui uma receita que considero excelente...
Excelente para os dias de chuva, para os dias de frio, para quando estamos adoentados, para quando precisamos de um pouco de aconchego, ou simplesmente porque nos apetece um pequeno prazer...
É excelente tomada antes de ir para a cama, mas eu já experimentei ao pequeno almoço, e ao lanche... É perfeita para qualquer momento...

Vou dizer-vos a receita padrão, depois, cada um apimenta ao seu gosto...

Para duas chávenas desta bebida poderosa:
Numa panela vertem-se duas chávenas de leite gordo (tem de ser gordo, não pensem em dietas agora...); junta-se ao leite um aromático pau de canela, uma colher de sopa de açúcar castanho ou mascavado, umas duas colheres de sopa de mel, e uma (eu às vezes ponho duas...) malagueta seca... E leva-se ao lume...
Quando o néctar começa a borbulhar, pegamos na preciosa barra de chocolate negro, e partimos aos pedaços uns cinquenta gramas de chocolate para dentro do leite, e vamos envolvendo sem parar... Mas atenção, o chocolate tem de ser de excelente qualidade, dele depende o poder do nosso produto final... Eu costumo usar chocolate negro da Lindt, um com 85% de cacau, que vem sem produtos químicos, e só com ingredientes de qualidade. Se o vosso chocolate tiver uma percentagem inferior de cacau, então terão de utilizar mais do que cinquenta gramas de chocolate para duas chávenas. Mas também é uma questão de gosto, eu adoro o intenso sabor a chocolate nesta bebida...
Mas onde íamos? Sim, na parte de partir o chocolate para dentro do leite, e mexermos até ficarmos hipnotizados com a cor escura que vai ganhando o leite, e com o aroma que dele se solta...
Quando o chocolate estiver totalmente derretido e fundido no leite, e já estivermos embriagados com aquele aroma, vamos buscar a garrafa do rum e deitamos umas duas colher de sopa no nosso poderoso preparado...
E mexemos mais uma vez...
Desligamos o lume, deitamos o preparado em duas chávenas, oferecemos uma a alguém querido, e vamos enroscar-nos numa manta quentinha, onde está o nosso livro favorito, e para onde levamos esta chávena de cacau absolutamente divinal...
Mas cuidado... Para além de estar a ferver, é completamente viciante...
Desfrutem... 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Amor pela Literatura...

"A venerável pinacoteca da literatura universal está aberta a todos os homens de boa vontade, ninguém se deve deixar intimidar pela sua riqueza, porque aquilo que conta não é a quantidade. Há leitores que, durante uma vida inteira, se limitam a ler uma dúzia de livros e que são, no entanto, verdadeiros leitores. E há outros que devoram tudo e que sabem falar de tudo e, não obstante, os seus esforços foram vãos. Na verdade, a cultura pressupõe o cultivo de qualquer coisa: isto é, de uma personalidade, de um carácter. Onde estes faltarem, onde uma cultura destituída de substância age, por assim dizer, no vácuo, talvez se desenvolva um saber mas certamente que não se desenvolverão o amor e a vida. A leitura sem amor, o saber sem reverência e a cultura sem coração estão entre os piores pecados que se podem cometer contra o espírito."

in Uma Biblioteca da Literatura Universal, Hermann Hess.