terça-feira, 25 de outubro de 2011

Farol de Pirilampos Multicultural




Aconteceu mais um Farol de Pirilampos.
E algo de improvável surgiu. Apareceram pirilampos de vários cantos do mundo para erguer um farol num dos lugares mais bonito da ilha.
Olhei à minha volta e pensei, mas que estranho grupo se reuniu. Os chineses estavam em maioria, era uma das línguas que mais se ouvia. Mas não haviam só chineses não, haviam russos e portugueses. E para todos nos entendermos eram utilizadas várias línguas. Ouvia-se o chinês, o inglês, o espanhol, o português e o russo só porque teimamos em aprender a dizer olá em russo (e soa a algo parecido com), "priviete".
A ironia maior, foi que num grupo de doze pessoas que iam para a serra a postos de fazer a típica espetada madeirense, só havia um único madeirense de gema, mas descasem madeirenses, estavam muito bem representados por este exemplar.
E lá fomos nós, montanha acima, com os carros carregados de lenha, de louro, de alhos, de sal e de carne, grandes nacos de carne para grande espanto dos chineses, que levavam os seus pedacinhos muito pequenos de carne e toneladas de vegetais para assar na brasa... Nós portugueses bem que deixamos os legumes em casa, para deitar na sopa... Mas ainda bem que os chineses os levaram, souberam muito bem nas brasas...
Um dos momentos mais caricatos aconteceu quando os portugueses começaram a esfregar a carne com os condimentos e a espeta-la no pau de louro. De repente parecia que estávamos numa estância turística qualquer, e que alguém gritou "coliseu!", bem, os chineses sacam das suas máquinas fotográficas e aquilo foi um banho de flashes, todos tiravam fotos, todos queriam segurar no pau com os nacos da carne espetados, até houve os que quiseram experimentar esfregar e espetar a carne. Foi muito, muito, muito divertido. 
Tínhamos uma das mesas mais mágicas do local, até que o nevoeiro, alguma chuva e depois a noite a engoliu. Aí não tivemos alternativa, enfiamo-nos todos na caserna de assar a carne (e legumes), numa escuridão quase total, em que tivemos de ligar um carro de faróis virados para a caserna, para podermos continuar no nosso divertido churrasco. 
Quando já estava escuro como breu e o carro já quase sem bateria, decidimos começar a arrumar e descer a montanha. Aí o grupo dividiu-se, os chineses desceram a montanha por um lado, a caminho de casa, e a outra metade do grupo decidiu continuar o passeio, por meio de florestas mágicas cobertas de noite, até chegarmos ao farol inspirador destas iniciativas. Ponta do Pargo, o farol a iluminar o mar, a ravina, uma mancha de espuma branca conseguia ver-se na noite, uma lua amarela a ser comida por nuvens negras em forma de dinossauro, licor de caramelo para adoçar, aquecer, entorpecer e enternecer os sentidos... 
Antes de voltarmos ao ninho de nossas casas ainda paramos numa marina, para deleitar os sentidos com os barulhos da água, e das cordas segurando os barcos... Passamos também por uma padaria aberta de madrugada para comprar pão de leite com açúcar, para que os nossos sonhos fossem polvilhados de doce... 
E assim cheguei a casa, infundida de todos estes momentos, já com o cansaço e o sono, sonho no corpo, só ouvindo ainda a língua dos meus gatos que miavam por comida...

sábado, 15 de outubro de 2011

São as ondas, o mar revolto, o rugido, o vento. Altos brados, valas no coração. É a subida aos céus, a descida vertiginosa aos infernos. São os calores que sobem pela coluna, o coração na boca. Ventos que te fustigam a alma, enquanto continuas sentada na sala. Ouves aquela voz, ouves aquela alma, e queres chorar, queres tanto chorar, tamanha é a emoção no peito, tamanha é a vertigem criada em ti. Eu sei o que isso é, eu sei. O teu corpo não consegue conter tamanha emoção. Tamanha paixão. Afinal não estão todos mortos. Afinal há quem viva na mesma dimensão. Têm paixão na boca. És capaz de tudo, de tudo, desde que o faças com a alma. Sei precisamente de que estás a falar, sei precisamente o que queres dizer, sei a que profundidade te referes. A minha alma compreende antes de dizeres as palavras e todo o meu corpo quer chorar. Tudo isto enquanto me movo o mínimo possível, enquanto mal respiro. Feiticeira. Quero seguir o caminho sem retorno.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. 
Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal.
Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco.
Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. 
Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.

Fernando Pessoa                            
                            

A Multiplicidade de Eus

Dentro de nós existem muitas possibilidades de sermos. Sonhamos acordados com elas. Sentimos o quanto poderíamos ser. Revemo-nos em personagens. Aquilo que elas são, aquilo que poderíamos ser. Ás vezes vemos tão claramente que até dói. E ás vezes dói tanto...
À frente dos nossos olhos desdobra-se tudo o que queremos ser, e que somos por dentro. Mas não agimos, continuamos nada.
O lado irreverente que temos em nós e nunca mostramos, o lado criativo bloqueado, a loucura lúcida só dentro da nossa cabeça, os sonhos espremidos para dentro dos sacos lacrimais.
Tudo anestesiado pela doce rotina dos dias.
Até ao dia... Até que num dia... Tudo nos rebenta na cara... 
Uma palestra que ouvimos, uma frase que lemos, um anime a que assistimos, são o suficiente para abrir a brecha.
E vemos passar diante dos nossos olhos todas as possibilidades, todo o potencial que temos e não utilizamos, tudo o que somos e não revelamos.
Somos acometidos por uma terrível dor, pensamos, não estou a utilizar os meus dons, estou a matar-me.
Abrimos num choro que não queremos mais fechar. Só nos apetece cair no chão e chorar. Chorar no maior dos prantos, no maior dos lamentos, como se tivéssemos acabado de morrer e nos déssemos de conta que tudo desperdiçamos. Vemos tudo o que podíamos ter feito, ter sido...
A dor é a de estarmos mortos e apetece-nos chorar para toda a eternidade.
A dor de saber que é aquilo, é mesmo aquilo, mas que não chegamos lá...
É o mergulho no pranto da eternidade.
Mas ainda estamos vivos, temos o dever de mostrar quem somos. Temos de abrir a torneira, deitar abaixo todos os muros, e deixar de uma vez por todas que a loucura nos tome por completo. Sem medos. 
Para que não choremos por toda a eternidade....