quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A chuva continua a cair. O som da chuva nas folhas das bananeiras é como o som das gotas quando caem na tela do guarda-chuva. Com a janela aberta chega-me a melodia de dezenas de guarda-chuvas, nos quais a água goteja incessantemente fazendo música quente. À mistura ouço Schubert. As nuvens brancas descem em farrapos até ao nível da minha varanda. Parece um sonho envolto em névoa e dezenas de guarda-chuvas abertos. Um tempo assim, pede uma caneca de chocolate quente, daquele com leite gordo e rum. Já o tenho na mão. Adoro o Outono. 

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Chegou o Outono. E com ele, as primeiras chuvas. Abro a janela para me deliciar. Adoro o som da chuva a cair nas folhas das bananeiras. Adoro o cheiro fresco da terra lavada.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Vitral de Sombras

     "Raios de sol perfuram a persiana entrando quarto adentro. Ele acorda sem a certeza de ter já acordado. Sente o cheiro dos dois jacintos púrpura, crescendo na beira da janela. Bolbos em frascos de água. Primeiro, semanas de escuridão, e na escuridão crescem raízes e despontam as primeiras folhas. Mais umas semanas de sol, e belas flores emergem com um aroma inebriante. [...]
     Ele obriga-se a levantar, e a primeira coisa que faz é subir a persiana ao máximo, para levar um banho, um embate de luminosidade nos olhos e na pele ainda cheirando a sombras e a sonhos."

Este é um pequeno excerto do meu conto "Vitral de Sombras", para o lerem na totalidade, cliquem AQUI.

terça-feira, 10 de abril de 2012

a febre

hoje parece que descobri uma coisa nova. embora já a soubesse à muito tempo. uma ideia nova da qual me estou a aproximar, quase como uma revelação. ainda não sei o que é, mas mal acordei não quis ficar na cama. hoje soube que o meu dia não ia ser em branco, mesmo que a tela continue em branco, estou à espera de uma revelação. há um frenesim, um burburinho que me corre nas veias. 
mergulhei de novo na corrente do mundo, tanta coisa por explorar, tanta arte, tanta criatividade, tanta música, tanta loucura. espero que a febre se apodere de mim. que cresça e não esmoreça. que me venham as noites de insónia, de suor, de loucura, de trabalho, de intenso prazer. 
hoje estou a aproximar-me de mim. o delírio da-me sinal. 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

a culpa dos dias em branco

os dias passam e eu carrego o peso da tela em branco. e cada dia que passa a tela é maior, e a tarefa de a pintar mais difícil. 
sabes que o teu dia vai ser em branco e nem queres acordar para ele. 
sabes o que é preciso fazer, e por algum motivo não consegues. tens consciência e a certeza de que o teu dia vai ser em branco, aquele pesadelo todo branco que te envolve. mas não sabes como o mudar.
e já não tens uma tela. é uma membrana branca que te envolve todo, que te vai sugando o ar, que se cola viscosa à tua pele. 
é a culpa dos dias em branco. 
e assim vais andando em dias cheios de nada. 

quarta-feira, 4 de abril de 2012

"There are two things scarce matched in the Universe the sun in heaven and the Thames on Earth."



Ir a Londres começou quase numa brincadeira, com o pretexto de irmos ver uma exposição de orquídeas organizada pela Royal Horticultural Society!
Eu nunca tinha saído do país, pelo que não sabia qual seria a sensação de aterrar num lugar de língua, cultura e aspecto diferente.
Digo-vos que ia um pouco reticente, imaginava Londres cheia de cimento, cinzenta, muita confusão, pessoas antipáticas... 

As coisas começaram por correr de forma atribulada... No dia da partida, chegados ao aeroporto com tempo, tranquilos, disseram-nos num repente que o nosso voo tinha sido cancelado, para irmos a correr a um balcão a ver se ainda apanhávamos o avião para Lisboa, pois o nosso já não existia e tínhamos de fazer voos de ligação! E lá fomos nós a correr, na maior das aflições, a pensar que raio era aquilo!
Depois de muito corrermos, de nos apoquentarmos, de muito esperarmos, lá conseguimos chegar a Londres apanhando três aviões! Mas a saga da partida não terminava aqui... Supostamente sairíamos no terminal Norte de Gatwick, mas fomos bater ao Sul, um edifício mais antigo, cinzento, em que todas as pessoas que chegavam eram encaminhadas para o mesmo átrio, em que estávamos todos tipo gado, à espera de sermos carimbados, para passar a fronteira... Para ajudar à festa, no meio da multidão encontrava-se uma claque de futebol barulhenta e já escoltada pela polícia...
Bem, eu só pensava: "Mas onde é que nos viemos meter!...", e a minha apreensão aumentava a cada trinta segundos. Esperamos na fila, no meio da multidão, e não me conseguia decidir se parecia que estávamos à espera da sopa dos pobres, ou na segurança social a pedir o rendimento mínimo...

Contudo, passando a "fronteira" toda a minha apreensão começou a desaparecer, e eu rapidamente comecei a destruir as minhas ideias pré-concebidas! 
O aeroporto era super calmo, organizado e quando nos sentamos num café para recuperar energias e beber algo quente, dei logo conta de uma diferença substancial (para além do café expresso ser caríssimo, e fazerem diferença de preço entre curto ou comprido...) em relação à pátria. As pessoas falavam baixo entre si, e reinava no café um silêncio estranho em relação a um café português, em que as pessoas (e falo por mim) se entusiasmam com a conversa e passado pouco tempo estão todas a gritar e a rir, e é um chinfrim sem igual, tipo cantina de escola.

Apanhamos um comboio e seguidamente o metro até Camden Town, cidade onde íamos ficar, e foi tudo relativamente muito simples, sem confusões, ou enganos, e até da estação de metro ao apartamento, não nos enganamos uma única vez, graças à perícia do J. em ler mapas e em se orientar! Eu sozinha, a esta hora ainda estaria à procura do lugar! 

Pousamos as malas e toda a carga irritante, e fomos logo explorar a zona! 
Camden Town era a loucura. Lojas que pareciam saídas de bandas desenhadas, do gótico ao psicadélico, da chinesada à robótica. Tudo à mistura com bancas de comida, uma miscelânea de cheiros que pareciam um máximo na primeira noite, mas que nas seguintes já causavam o maior dos enjoos.  
O certo é que eu estava fascinada, nem acreditava que estava em Londres, a ver lojas de robôs gigantes à porta, e outras de esculturas de cavalos mais gigantes que os ditos robôs, lojas de discos usados,  de artigos em cabedal com o artesão a trabalhar no momento, de quinquilharias, livros, bijutarias...
Lojas diferentes, pessoas diferentes, cheiros diferentes, sons diferentes. E eu ria, sorria, só me faltava dar pulinhos de alegria!

Nos três dias seguintes praticamente corremos por Londres, queríamos ver tudo! 
Acordávamos cedo, e era caminhar com aceleração,  apanhar metros, caminhar mais, fotografar, beber chocolates quentes, caminhar mais, ver mais, fotografar mais, metros mais!
Mercados Londrinos fantásticos, catedrais, edifícios antigos versus futuristas,  o Tate Modern com exposições de obras de arte interessantíssimas, bem como a sua loja de lembranças em que apetecia comprar quase tudo, as pontes, o Big Ben, mais majestosas catedrais, Downing Street, monumentos, exposição de orquídeas, Buckingham Palace, Tower Bridge, British Museum, e o Underground que nos leva a todo o lado... Bem como os nossos pés e de tanto andar, ao segundo dia tinha tamanha dor num pé, como se me tivessem rasgado um músculo. Mas nem isso me parou, não queria saber, andei mais lentamente, mas arrastei-me feliz, apesar das dores, por Londres! 

Claro que comemos fish and chips e bebemos cerveja com sabor a verdadeira cerveja nos famosos Pubs, como adorei o ambiente dos Pubs, a comida, a simpatia... Ai London... Que saudades...
As pessoas são muito simpáticas, sorridentes, bem arranjadas e perfumadas, mesmo o metro cheio de gente ao fim do dia não cheirava a coisas duvidosas... 
Que agradável surpresa foi Londres para mim.
Apanhamos sol, dias lindos e só um dia de chuviscos. 
Parece que toda a Londres se organizou para me quebrar todos os estereótipos que tinha em relação a ela.

E o Thames... Oh... Apaixonei-me por aquele rio. Não sei o que tinha, mas sentia-me maravilhosa de cada vez que o atravessava por uma das pontes. Dava-me vontade de sorrir, sentia-me leve, e só me apetecia trazer as minhas canetas, lápis, blocos e livros, e sentar-me nas suas margens, num belo parque e deixar a minha imaginação galopar sem freio. 

Londres é bonita, é muito bonita. Belos parques e jardins, transborda de cultura, diversidade, antiguidade e modernismo.
Londres conquistou-me, o Thames apaixonou-me, sem sombra de dúvida que vou lá voltar, com mais tempo, para desfrutar e absorver ao máximo o fervilhar daquele mundo.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Boris, o gato menino que às vezes parece um cão


Ainda não vos contei, mas temos mais um membro na família há já uns bons meses.
Foi encontrado na rua, muito sujinho, maltrapilho, cheio de fome, apenas com três bigodes tortos, e a estrangular na sua própria coleira, que não acompanhou o seu crescimento e teve de ser cortada para ser retirada. Tinha apenas uns quatro meses, e precisava desesperadamente de um lar.
Foi assim que chegou a nossa casa, a 11 de Agosto de 2011. 
Chamamos-lhe Boris e o nome assentou que nem uma luva. Um nome engraçado, para um gato com um ar um tanto ou quanto cómico. 
Boris, o gato de três bigodes tortos, com olhos de cachorrinho abandonado, que ronronava (era mais roncar) tão alto que parecia um tractor. Parecia-nos incrível, como é que uma coisa tão pequenina podia fazer tanto barulho. Hoje em dia, o ronronar dele já é mais normal, mas ressona quando está a dormir...
A nossa querida Daisy é que se sentiu ameaçada com esta nova presença felina.
De cada vez que ele se aproximava, ela bufava-lhe muito, mas ele não ligava nenhuma, continuava atrás dela, sem ligar às ameaças, até que a Daisy se via obrigada a uma intimidação mais forte e começou a rosnar, sim, a rosnar como os cães!! Um barulho tremendo! Eu nunca tinha ouvido um gato a rosnar, e nunca pensei que esta princesa conseguisse fazer tal barulho. Mas nem os roncos rosnados, assustavam o Boris, o pequeno não demonstra medo a nada...
Até o aspirador que faz fugir a Daisy, como se um demónio a arder tivesse visto, é motivo de brincadeira para o Boris.

O Boris é um maluquinho, um menino muito engraçado, que corre até nós quando nos levantamos de manhã, que salta para as nossas pernas, que mia como se fosse o gato mais solitário do mundo, quando lhe fechamos a porta do quarto, por não nos deixar dormir um pouco mais de manhã... 
- Murrauuuu, murrauuuu, murrhhahauuuu.... 
Sim, é assim que ele mia, até no miar é diferente... O Borinho, como lhe chamou uma vez a nossa amiga chinesa.
Quando é para comer, é o primeiro, o mais veloz, sempre atento, à espera que caiam migalhas ao chão... Come muito rápido, quase aspira as suas pepitas, em vez de mastigar, para a seguir tentar roubar algumas do prato da Daisy.
Uma vez demos-lhe um pedaço de salsicha, ele gostou tanto, que enquanto a comia começou a rosnar, com medo que alguém lhe tirasse tal manjar...E nós aflitos, a pensar que ele estava a morrer engasgado, tal era o barulho que fazia ao comê-la...

Boris, o que apanha todas as moscas, o que mastiga em seco quando pensa em comida, o que inclusive nos rouba o que estamos a comer, se não estivermos atentos... Um dia estava eu a ver televisão, distraída a comer um croissant, e algo em voo arranca-mo das mãos, não tive tempo nem de pestanejar... Depois queria ralhar com ele, mas perante tal situação, só me apetecia rir.
Às vezes passa qualquer coisa por ele, que o deixa histérico, faz muitos murrahahauuuussss, profundos, sonoros e longos, corre pela casa toda, trepa móveis, televisão, paredes, vai contra tudo o que está no caminho, parece um furacão este Borinho!
Mas logo depois acalma, e é um doce, sempre procurando o colo e as pernas do J., que prefere às minhas...
Muito curioso, olhar arregalado, expressão de menino inocente. Tão tontinho às vezes, que por mais asneira que faça, nunca conseguimos ficar muito tempo chateados com ele.
A Daisy já não lhe rosna, é carinhosa e muito paciente com ele, atura-lhe imensas arrelias, e por vezes até dormem bem juntinhos.
Chegou sem bigodes e fraquinho, e logo conquistou profundamente o nosso coração.
Este gato menino, que às vezes parece um cão.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Um jantar maravilhoso

A pequena Sofia foi jantar a casa da prima Margarida. Uma prima muito querida para ela, de quem gosta muito, e a quem já não via há muito muito tempo. 
Nesse jantar estavam pessoas de quem a pequena Sofia gosta muito. A outra prima Margarida, os tios... Parecia Natal outra vez e a Sofia estava felicíssima!
Queria ouvir todos, falar com todos, brincar com todos...
O jantar estava maravilhoso, e até a sopa, a que a pequena Sofia costuma torcer o nariz, sabia deliciosamente bem.
A noite estava quente e brilhante, ainda com cores natalícias, um presépio de algodão, e a gata preta marcando a sua presença. 
Mas a bela e quente noite familiar, chegou ao fim, e com muita pena sua, Sofia teve de voltar a casa...

Quando se deitou para dormir, a pequena Sofia rebentou num pranto... Chorou profundamente, e perguntaram-lhe com preocupação, o que tinha ela...
Sofia, entre soluços saídos do fundo do peito e lágrimas gordas, respondeu:
- É que gosto muito de todos eles, e a noite passou muito rápido... Não ouvi o que todos falaram, não falei tudo o que queria falar, e pareceu tudo tão rápido que já nem me lembro de tudo...
E a pequena Sofia chorou, soluçou com a cabeça enfiada no colo de quem lhe dava amor, chorou a saudade de todos, que a noite não foi suficiente para matar...
Com os olhos cansados e o travesseiro molhado, respirou fundo e adormeceu...

sábado, 17 de dezembro de 2011

Rir até a Alma Chorar

Não sei se já alguma vez vos falei disto. Se falei, volto a falar, pois aconteceu-me de novo há uns tempos.

Alguma vez riram tanto, tanto, tanto, que ao fim de talvez uma hora de tanto rir e inventar patetices, começaram a chorar?
Mas a chorar da alma, não a chorar de tanto rir.
É um choro que rebenta dentro do peito e vai subindo, subindo, até nos sufocar a garganta, molhar a cara...
Estranha dicotomia.
A alma satisfazendo a sua vontade de riso, e apanhando o corpo desprevenido com tanta descontracção, quer também satisfazer a sua necessidade de choro. Quer limpar todas as mágoas acumuladas.
Quer fazer a catarse.
Aconselho vivamente que deixem o choro sair. Deixem-se ir…
Chorem como se o mundo estivesse a acabar, chorem tudo o que já sofreram e calaram, chorem tudo o que irão sofrer.
Tal como não devemos conter o riso, também não devemos conter o choro.
É a alma que se quer curar.
E no fim de tanto rir e chorar, sente-se uma estranha leveza...

É como se tivéssemos ingerido uma deliciosa droga, e quase somos espectro, não pessoa.
Planamos, pois a alma está livre...
Sentimos luz, sentimos o sol morno, deslizamos pelo momento, contemplamos...
Despimo-nos de todas as fachadas e somos nós. 
Fechamos os olhos e somos tudo.

Quem está connosco pode perceber perfeitamente o que está a acontecer, ou pode achar-nos loucos.
Pois passamos uma hora a rir desalmadamente das coisas mais parvas, e de repente rebentamos no maior dos prantos...
Mas o que nos interessa o que pensam os outros? Quem gosta de nós, continuará a gostar...
E a loucura às vezes é uma bênção...
O que seria da vida sem loucura? 
Luzia escreve num dos seus livros, que tem a mesma opinião que Anatole France, quando este diz:
"Je souhaîte à tous ceux que j’aime un petit grain de folie..."
(Desejo a todos os meus entes queridos um pequeno toque de loucura...)

Eu também.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Em memória da avó Margarida

Hoje morreu a minha avó.
Na sua campa irei colocar flores brancas. Brancas como o açúcar de que ela tanto gostava. E as broas de mel, que tinha para lhe dar no Natal.
Avó de olhos luminosos, com um quê de travessura, e um sorriso sempre a bailar nos lábios.
"Avó, para ti a sopa não está quente porque tens boca de velha, a mim queima!" - dizia-lhe eu com os meus quatro anos.
Hoje que ela morreu, quando penso nela vejo-a nova, bonita, luminosa, de mãos dadas com o avô, o seu amor, passeando por um imenso campo de margaridas brancas, docemente cristalizadas.
O dia foi de uma maravilhosa luz clara, e até a noite se iluminou, com uma mágica e enorme lua branca.
Avó, deixas muitas saudades, mas sei que estás feliz.
Cuida de nós.
E um eterno obrigada.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Era um domingo melancólico, cansativo, não fazia sol, nem sombra. Sentia-me cansada, sem energia vital...
Eu esperava uma mulher, que não conhecia, mas que me iria falar da escritora esquecida no tempo, que eu estava a investigar. 
A energia lamacenta do dia estava a engolir-me por completo. Até que ela chega, enérgica, brilhante, vibrante, entusiástica, alterando a energia de todo o lugar, de todo o domingo...

E já não era domingo, eram horas roubadas a uma outra dimensão.
Contou-me que os seus Verões eram passados naquela Quinta, onde L., a "minha" escritora, tinha vivido nos seus tempos de casada, e que por ter lido os livros dela, sabia exactamente onde L. se sentava para escrever, e ia mostrar-me, queria que eu me sentasse lá. 
A Quinta já não pertencia à sua família, mas isso era o menor dos problemas. Chegamos aos portões das traseiras da Quinta e ela diz, "estes são muito fáceis de avançar". E eu só pensava... eu não consigo avançar aquele portão... como raio vou subir aquilo?...
E tive a brilhante ideia de dizer que achava que pela parte da frente o muro era mais pequeno e mais fácil de subir. E lá fomos nós, para a parte da frente da Quinta, mas o murinho que eu achava que era pequeno tinha uns três metros, um pouco mais talvez. E na minha cabeça eu digo, não, nem pensar, acabou a minha aventura aqui, não há forma de entrar. Mas qual não é o meu espanto quando vejo F., a mulher por quem eu esperei, toda lançada a subir o muro, dizendo, "este muro é muito bom para subir, é muito fácil", e eu cá em baixo cheia de medo que ela caísse e se magoasse seriamente. Ela ia dizendo, "a minha infância foi isto, trepava muros, árvores, corria toda esta zona, desde as montanhas, ao mar, chegava a me pendurar nas cordas dos cargueiros, para viajar até à outra povoação pelo mar!" E eu espantada, só pensava, na minha infância a coisa mais aventureira que fiz, foi talvez uma corrida de bicicleta, em que no fim me estatelei no chão... 
E depois, ouço a voz de F., "vamos, agora é a sua vez, venha que eu ajudo aqui em cima e J. (o meu marido) ajuda em baixo". A minha cabeça dizia: não te metas a subir isso, sabes que é impossível para ti, vais cair de boca e ficar toda partida no chão. Eu já nem queria tentar, mas lá subi até meio, e quando olhava para baixo, pensava que era impossível eu ainda subir a metade de muro que restava.

Houve uma luta interior e exterior, F. agarrou-me nos pulsos e queria puxar-me, J. a segurar-me os pés, eu quase a gritar, não consigo, não consigo, eu não consigo, eu sou rato de laboratório, eu não faço exercício, eu nunca na vida trepei um muro!! F., só dizia, "deixe-se disso, claro que consegue, já não consigo ouvir mais essa frase, venha daí que já me está a enervar, quantos anos tem?" E eu respondo, vinte e sete... e ela, "ai agora é que sobe, eu tenho quarente e oito e já estou cá em cima, quer ou não quer sentar-se onde L. se sentava?!" E eu lá resolvi fazer um esforço extra, enfiar as botas nos minúsculos buracos do muro, agarrar-me bem e puxar-me para cima a todo o custo, nem que me esfarrapasse toda, era melhor atirar-me para o lado de lá do muro, do que cair daquela altura. E quando dei por mim, entre arranhadelas, grunhidos e cãibras, já lá estava! Com umas insignificantes esfoladelas estava no que foi o jardim da parte da frente da casa onde viveu L. 

A vegetação já tinha tomado conta do espaço, e avançamos por meio de árvores, ervas, heras, no espaço encantado da Quinta. Fomos presenteados pelo delicioso aroma das goiabas que cresciam douradas e belas nas árvores, e mal as viu, F. apanhou logo duas, deliciada. 
Conhecemos então o que fora o jardim da frente, subimos depois as escadas, até ao banco de pedra, onde F. se sentou e disse: "Era aqui que L. se sentava para escrever e se inspirar, venha, sente-se aqui", e sentei-me onde, algures no tempo, L. se sentara. A vista era magnifica, o dia já era de sol, o mar infinito... Quase não conseguia absorver que L. estivera ali...
Depois desse momento, fomos conhecer os restantes espaços. O jardim com a enorme anoneira e o poço, era absolutamente mágico. Seguidamente, fomos pela parte de trás da Quinta, onde um enorme jardim já tinha desaparecido, e subimos umas pequenas escadas até à porta da cozinha. Tudo estava trancado, não havia forma de entrar. F. descobriu uma janela aberta no andar de cima, mas sem uma escada era muito difícil chegar lá... E decidimos reservar essa peripécia para um próximo assalto.
Na porta da cozinha estavam algumas velharias, que F. decidiu levar, e ainda nos ofereceu uma garrafinha de vidro com tampa de madeira, uma para mim, outra para o J., um objecto para recordarmos o dia em que invadimos a Quinta onde viveu L. 

Ainda passeamos pelo local, ouvimos histórias da juventude de F., histórias fantásticas, cheias de entusiasmo, e proezas.
Ouvíamos F. dizer, a vida é para ser vivida, sem medos, nascemos para sermos felizes, não devemos carregar mochilas com pedras às costas.
E estávamos todos, de tal forma, contagiados pela sua alegria, pela sua força, entusiasmo, que esquecemos por completo o nosso cansaço.
E lá nos encontrávamos, rindo, conversando, vivendo... Sentados à volta de uma mesa, com o imenso mar pela frente, um belo pôr-do-sol, e uma forte ligação que o Universo se encarregou de criar...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Farol de Pirilampos Multicultural




Aconteceu mais um Farol de Pirilampos.
E algo de improvável surgiu. Apareceram pirilampos de vários cantos do mundo para erguer um farol num dos lugares mais bonito da ilha.
Olhei à minha volta e pensei, mas que estranho grupo se reuniu. Os chineses estavam em maioria, era uma das línguas que mais se ouvia. Mas não haviam só chineses não, haviam russos e portugueses. E para todos nos entendermos eram utilizadas várias línguas. Ouvia-se o chinês, o inglês, o espanhol, o português e o russo só porque teimamos em aprender a dizer olá em russo (e soa a algo parecido com), "priviete".
A ironia maior, foi que num grupo de doze pessoas que iam para a serra a postos de fazer a típica espetada madeirense, só havia um único madeirense de gema, mas descasem madeirenses, estavam muito bem representados por este exemplar.
E lá fomos nós, montanha acima, com os carros carregados de lenha, de louro, de alhos, de sal e de carne, grandes nacos de carne para grande espanto dos chineses, que levavam os seus pedacinhos muito pequenos de carne e toneladas de vegetais para assar na brasa... Nós portugueses bem que deixamos os legumes em casa, para deitar na sopa... Mas ainda bem que os chineses os levaram, souberam muito bem nas brasas...
Um dos momentos mais caricatos aconteceu quando os portugueses começaram a esfregar a carne com os condimentos e a espeta-la no pau de louro. De repente parecia que estávamos numa estância turística qualquer, e que alguém gritou "coliseu!", bem, os chineses sacam das suas máquinas fotográficas e aquilo foi um banho de flashes, todos tiravam fotos, todos queriam segurar no pau com os nacos da carne espetados, até houve os que quiseram experimentar esfregar e espetar a carne. Foi muito, muito, muito divertido. 
Tínhamos uma das mesas mais mágicas do local, até que o nevoeiro, alguma chuva e depois a noite a engoliu. Aí não tivemos alternativa, enfiamo-nos todos na caserna de assar a carne (e legumes), numa escuridão quase total, em que tivemos de ligar um carro de faróis virados para a caserna, para podermos continuar no nosso divertido churrasco. 
Quando já estava escuro como breu e o carro já quase sem bateria, decidimos começar a arrumar e descer a montanha. Aí o grupo dividiu-se, os chineses desceram a montanha por um lado, a caminho de casa, e a outra metade do grupo decidiu continuar o passeio, por meio de florestas mágicas cobertas de noite, até chegarmos ao farol inspirador destas iniciativas. Ponta do Pargo, o farol a iluminar o mar, a ravina, uma mancha de espuma branca conseguia ver-se na noite, uma lua amarela a ser comida por nuvens negras em forma de dinossauro, licor de caramelo para adoçar, aquecer, entorpecer e enternecer os sentidos... 
Antes de voltarmos ao ninho de nossas casas ainda paramos numa marina, para deleitar os sentidos com os barulhos da água, e das cordas segurando os barcos... Passamos também por uma padaria aberta de madrugada para comprar pão de leite com açúcar, para que os nossos sonhos fossem polvilhados de doce... 
E assim cheguei a casa, infundida de todos estes momentos, já com o cansaço e o sono, sonho no corpo, só ouvindo ainda a língua dos meus gatos que miavam por comida...

sábado, 15 de outubro de 2011

São as ondas, o mar revolto, o rugido, o vento. Altos brados, valas no coração. É a subida aos céus, a descida vertiginosa aos infernos. São os calores que sobem pela coluna, o coração na boca. Ventos que te fustigam a alma, enquanto continuas sentada na sala. Ouves aquela voz, ouves aquela alma, e queres chorar, queres tanto chorar, tamanha é a emoção no peito, tamanha é a vertigem criada em ti. Eu sei o que isso é, eu sei. O teu corpo não consegue conter tamanha emoção. Tamanha paixão. Afinal não estão todos mortos. Afinal há quem viva na mesma dimensão. Têm paixão na boca. És capaz de tudo, de tudo, desde que o faças com a alma. Sei precisamente de que estás a falar, sei precisamente o que queres dizer, sei a que profundidade te referes. A minha alma compreende antes de dizeres as palavras e todo o meu corpo quer chorar. Tudo isto enquanto me movo o mínimo possível, enquanto mal respiro. Feiticeira. Quero seguir o caminho sem retorno.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A loucura, longe de ser uma anomalia, é a condição normal humana. 
Não ter consciência dela, e ela não ser grande, é ser homem normal.
Não ter consciência dela e ela ser grande, é ser louco.
Ter consciência dela e ela ser pequena é ser desiludido. 
Ter consciência dela e ela ser grande é ser génio.

Fernando Pessoa                            
                            

A Multiplicidade de Eus

Dentro de nós existem muitas possibilidades de sermos. Sonhamos acordados com elas. Sentimos o quanto poderíamos ser. Revemo-nos em personagens. Aquilo que elas são, aquilo que poderíamos ser. Ás vezes vemos tão claramente que até dói. E ás vezes dói tanto...
À frente dos nossos olhos desdobra-se tudo o que queremos ser, e que somos por dentro. Mas não agimos, continuamos nada.
O lado irreverente que temos em nós e nunca mostramos, o lado criativo bloqueado, a loucura lúcida só dentro da nossa cabeça, os sonhos espremidos para dentro dos sacos lacrimais.
Tudo anestesiado pela doce rotina dos dias.
Até ao dia... Até que num dia... Tudo nos rebenta na cara... 
Uma palestra que ouvimos, uma frase que lemos, um anime a que assistimos, são o suficiente para abrir a brecha.
E vemos passar diante dos nossos olhos todas as possibilidades, todo o potencial que temos e não utilizamos, tudo o que somos e não revelamos.
Somos acometidos por uma terrível dor, pensamos, não estou a utilizar os meus dons, estou a matar-me.
Abrimos num choro que não queremos mais fechar. Só nos apetece cair no chão e chorar. Chorar no maior dos prantos, no maior dos lamentos, como se tivéssemos acabado de morrer e nos déssemos de conta que tudo desperdiçamos. Vemos tudo o que podíamos ter feito, ter sido...
A dor é a de estarmos mortos e apetece-nos chorar para toda a eternidade.
A dor de saber que é aquilo, é mesmo aquilo, mas que não chegamos lá...
É o mergulho no pranto da eternidade.
Mas ainda estamos vivos, temos o dever de mostrar quem somos. Temos de abrir a torneira, deitar abaixo todos os muros, e deixar de uma vez por todas que a loucura nos tome por completo. Sem medos. 
Para que não choremos por toda a eternidade....

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Em Estado Puro


Às vezes esqueço-me que ela existiu, existe. Tão querida, tão sorridente, tão inocente...
Quem é ela? Quem foi ela? Onde vive agora?
Não morreste, não podes ter morrido...
Um sorriso puro, a alegria no cavalinho de brincar, o anel brilhante no dedo indicador. Tudo irradia.
Porque é que às vezes te perco? Porque é que às vezes não te oiço, me esqueço de te cuidar, fazendo de conta que não existes?
Eu sei, precisas que me lembre a cada instante de ti, precisas que te abrace, que te ame, proteja, te garanta que tudo está bem.
Precisas que preste atenção a tudo o que dizes, que brinque contigo.
Quando o meu mundo estiver a desmoronar, quando estiver terrivelmente assustada, triste, insegura, vou lembrar-me que estás com muito mais medo do que eu. No meio do meu caos vou lembrar-me que existes, que estás indefesa e vou cuidar de ti. Amar-te, sossegar-te, proteger-te. Protejo-te a ti, protejo-te a mim.
Porque tu és eu, eu sou tu.  
Vives bem sorridente e pequenina dentro daquilo que sou.
Porque todos temos a menina ou menino que fomos, bem vivos dentro de nós.
Nunca devemos deixar de a ouvir, cuidar, amar. 
É a nossa criança interior.


Pego-te ao colo e enrolas os teu bracinhos à volta do meu pescoço, muito feliz. Eu abraço-te muito, encho-te de beijos, aperto-te no meu peito, inspiro o perfume dos teus cabelos encaracolados. 
Que bom que é estarmos juntas, o teu sorriso, os teus olhos, iluminam-me.
Pouso-te no chão, damos a mão, e seguimos estrada fora, felizes e saltitantes, esvoaçando ao vento como borboletas. 

domingo, 12 de junho de 2011

O Primeiro Farol de Pirilampos

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Uma estrada, lá ao fundo as nuvens brancas, o sol laranja, o céu lavanda... Foi precisamente ao fundo deste caminho, que se ergueu o primeiro Farol de Pirilampos... 
A viagem foi de cortar a respiração... Cascatas de nuvens desciam pelas recortadas montanhas, as cores misturavam-se até incendiarem os nossos olhos, e por vezes, éramos presenteados por uma beleza tão extrema, que ficávamos sem respirar, de tão arrebatadora visão...
Quando demos conta, fomos engolidos por uma nuvem de nevoeiro, uma nuvem que nos veio dar as boas vindas, quando já tínhamos escolhido o lugar para fixar o Farol. Mas logo essa nuvem se ergueu em direcção ao céu, e começamos a ver as primeiras estrelas, a lua. As mantas já estavam estendidas no chão, as velas acesas, a comida preparada, as termos com bebidas quentes. Havia um pouco de tudo. Café, chá, bolo de laranja e biscoitos de chocolate caseiros, comida tradicional chinesa, petiscos salgados, e mais importante que tudo isso, uma genuína amizade, um momento de partilha, de comunhão primitiva com a Terra.
Fomos envolvidos pela escuridão, mas banhados pela luz prateada da lua e das estrelas brilhantes no céu. Um manto de frio caiu também sobre nós, um gelo que nos lembrava que estávamos vivos, que nos fazia vibrar, que nos desinibia. Estávamos no meio do nada, podíamos ser o que quiséssemos, o que precisássemos, e foi aí que tudo começou... A música que nos fez dançar, saltar, rir, correr... Passamos horas seguidas a rir, a gritar, a rodopiar debaixo da lua, deitados no chão a olhar as estrelas...


Senti-me mais que viva, senti-me vibrante, senti-me primitiva, senti-me criança, não tinha os olhares censuradores da sociedade em cima de mim, então, permiti-me extravasar... Cantei como queria, gritei como queria, fiz caretas parvas como me apetecia, rodopiei debaixo da lua até sentir a Terra a girar debaixo dos meus pés... Deite-me no meio da estrada a observar as estrelas, de pernas para cima, voltei a correr, a saltar, a gritar, a dançar, a rir até molhar as cuecas... Fiz poses para a máquina fotográfica, em que depois parecia possuída, o que era mais um motivo de riso. Extravasei ao máximo... Foi brutal, foi libertador, foi emocionante, foi excitante, foi um renovar de energia, um sentir-me em comunhão com a Terra, um ESTOU VIVA!
Extravasei quase ao máximo... A dada altura, sentia-me tão primitiva a rodopiar debaixo da lua, longe da civilização, no meio da natureza bruta, que tive vontade de atirar todas as minhas roupas para o chão e correr nua pelo descampado, pela vegetação, rodopiar nua debaixo da lua em total comunhão com o Universo...
Deve ser uma das experiências mais libertadoras a que o ser humano se pode permitir, nu, debaixo da lua, no meio do nada, a sentir o frio arrepiar cada centímetro de pele...


Uma noite, mergulho no meio da natureza, e rodopio nua debaixo da lua, dançando com o vento.
Hoje é a noite.

sábado, 4 de junho de 2011

Farol de Pirilampos

Um grupo de amigos que se reúne ao final do dia, e ruma até um recanto da natureza sem civilização, para se sentar em roda e presenciar o cair da noite. Quando estiverem mergulhados na escuridão, transformam-se em pirilampos, observam as estrelas, partilham histórias, literatura, experiências, chá, café e biscoitos caseiros.

Vamos construir faróis pelos esconderijos mais bonitos da ilha... Roupa quentinha, mantas, boa disposição, boas histórias, momentos preciosos e mágicos.
O primeiro encontro realiza-se este mês.

Os pirilampos somos nós, o farol onde nós estivermos...